terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Lisboa - Sophia de Mello Breyner Andersen

Lisboa

Digo:
«Lisboa»
Quando atravesso — vinda do sul — o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas —
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
— Digo para ver

1977


In Navegações, 1983

terça-feira, 24 de novembro de 2015

As belas meninas pardas - Alda Lara

Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu em Benguela, Angola, no dia 9 de junho de 1930.




AS BELAS MENINAS PARDAS

As belas meninas pardas
são belas como as demais.
Iguais por serem meninas,
pardas por serem iguais.

Olham com olhos no chão.
Falam com falas macias.
Não são alegres nem tristes.
São apenas como são
todos dos dias.

E as belas meninas pardas,
estudam muito, muitos anos.
Só estudam muito. Mais nada.
Que o resto, trás desenganos>>>

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

Nos passeios de domingo,
andam sempre bem trabajadas.
Direitinhas. Aprumdas.
Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada
(Parece mal rir na rua!...)

E nunca viram a lua,
debruçada sobre o rio,
às duas da madrugada.

Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.

E desejam, sobretudo, um casamento decente...

O mais, são histórias perdidas...
Pois que importam outras vidas?...
outras raças?... , outros mundo?...
que importam outras meninas,
felizes, ou desgraçadas?!...

As belas meninas pardas,
dão boas mães de família,
e merecem ser estimadas...

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Quartéis os furos de casa - Abreu Paxe

Abreu Castelo Vieira dos Paxe é um poeta angolano nascido em 1969, na  Província do Uíge. Filho de operário e de mãe doméstica, venceu o concurso "Um Poema para África" em 2000.


quartéis os furos de casa


as veias sémen debruçadas minúsculas incandescências
a cinza o carvão o cachimbo o cigarro
sinais maiúsculos a noite
por uma sílaba cicatrizes abrem a porta
regressam a superfície artérias e trepadeiras
tijolos cujas paredes guardavam
pouca luz ao atravessar jardins crianças tardes de fogo
desce pelos metais o barco visita quartéis os furos de casa


In A Chave no Repouso da Porta, INIC, Luanda, 2003, p. 21

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Caetano de Costa Alegre (26 de Abril de 1864 - 18 de Abril de 1890) foi um poeta de São Tomé e Príncipe.




A NEGRA



Negra gentil, carvão mimoso e lindo

Donde o diamante sai,

Filha do sol, estrela requeimada,

Pelo calor do Pai,



Encosta o rosto, cândido e formoso,

Aqui no peito meu,

Dorme, donzela, rola abandonada,

Porque te velo eu.



Não chores mais, criança, enxuga o pranto,

Sorri-te para mim,

Deixa-me ver as pérolas brilhantes,

Os dentes de marfim.



No teu divino seio existe oculta

Mal sabes quanta luz,

Que absorve a tua escurecida pele,

Que tanto me seduz.



Eu gosto de te ver a negra e meiga

E acetinada cor,

Porque me lembro, ó Pomba, que és queimada

Pelas chamas do amor;



Que outrora foste neve e amaste um lírio,

Pálida flor do vale,

Fugiu-te o lírio: um triste amor queimou-te

O seio virginal.



Não chores mais, criança, a quem eu amo,

Ó lindo querubim,

O amor é como a rosa, porque vive

No campo, ou no jardim.



Tu tens o meu amor ardente, e basta

Para seres feliz;

Ama a violeta que a violeta adora-te

Esquece a flor-de-lis.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Angulares - Alda do Espírito Santo

Alda Neves da Graça do Espírito Santo (São Tomé e Príncipe 1926 - 9 de Março de 2010), conhecida como Alda do Espírito Santo, foi uma escritora e poetisa de língua portuguesa.




ANGULARES



Canoa frágil, à beira da praia,

panos presos na cintura,

uma vela a flutuar...

Calema, mar em fora

canoa flutuando por sobre as procelas das águas,

lá vai o barquinho da fome.

Rostos duros de angolares

na luta com o gandú

por sobre a procela das ondas

remando, remando

no mar dos tubarões

p'la fome de cada dia.

Lá longe, na praia,

na orla dos coqueiros

quissandas em fila,

abrigando cubatas,

izaquente cozido

em panelas de barro.



Hoje, amanhã e todos os dias

espreita a canoa andante

por sobre a procela das águas.

A canoa é vida

a praia é extensa

areal, areal sem fim.

Nas canoas amarradas

aos coqueiros da praia.

O mar é vida.

P'ra além as terras do cacau

nada dizem ao angolar

"Terras tem seu dono".



E o angolar na faina do mar,

Tem a orla da praia,

as cubatas de quissandas,

as gibas pestilentas,

mas não tem terras.



P'ra ele, a luta das ondas,

a luta com a gandú,

as canoas balouçando no mar

e a orla imensa da praia.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Lá no água grande - Alda do Espírito Santo

Alda Neves da Graça do Espírito Santo (São Tomé e Príncipe 1926 - 9 de Março de 2010), conhecida como Alda do Espírito Santo, foi uma escritora e poetisa de língua portuguesa.


LÁ NO ÁGUA GRANDE



Lá no "Agua Grande" a caminho da roça

negritas batem que batem co'a roupa na pedra.

Batem e cantam modinhas da terra.



Cantam e riem em riso de mofa

histórias contadas, arrastadas pelo vento.



Riem alto de rijo, com a roupa na pedra

e põem de branco a roupa lavada.



As crianças brincam e a água canta.



Brincam na água felizes...



Velam no capim um negrito pequenino.



E os gemidos cantados das negritas lá do rio

ficam mudos lá na hora do regresso...

Jazem quedos no regresso para a roça.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Prelúdio - Alda Lara

Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu em Benguela, Angola, no dia 9 de junho de 1930.




PRELÚDIO



Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra, desce com ela...



Nem buganvílias vermelhas,

nem vestidinhos de folhos,

nem brincadeiras de guisos,

nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.



Mãe-Negra tem voz de vento,

voz de silêncio batendo

nas folhas do cajueiro...



Tem voz de noite, descendo,

de mansinho, pela estrada...



Que é feito desses meninos

que gostava de embalar?...



Que é feito desses meninos

que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias

que costumava contar?...



Mãe-Negra não sabe nada...



Mas ai de quem sabe tudo,

como eu sei tudo

Mãe-Negra!...



Os teus meninos cresceram,

e esqueceram as histórias

que costumavas contar...



Muitos partiram p'ra longe,

quem sabe se hão-de voltar!...



Só tu ficaste esperando,

mãos cruzadas no regaço,

bem quieta bem calada.



É a tua a voz deste vento,

desta saudade descendo,

de mansinho pela estrada..





Lisboa, 1951 (de Poemas, 1966)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

- Caetano de Costa Alegre

Caetano de Costa Alegre (26 de Abril de 1864 - 18 de Abril de 1890) foi um poeta de São Tomé e Príncipe.







CANTARES SANTOMENSES

(A meu tio Jerônimo José da Costa)



Branca a espuma e negra a rocha,

Qual mais constante há-de ser,

A espuma indo e voltando,

A rocha sem se mexer?



Não creias que em teu jazigo

Alguém parta o coração,

No mundo quem morre, morre,

Quem cá fica come pão.



Não me dizem quanto tempo

Tenho ainda que viver,

Ficava ao menos sabendo

Quando finda o meu sofrer.



Se eu me casasse contigo,

Fazia um voto de ferro,

De deixar-te unicamente

No dia do meu enterro.



Todos me dizem: “esquece

Essa paixão, que te abrasa”.

Que serve fechar a porta

Ao fogo que tenho em casa?



Não havia tanta cara

De asno, de tolo e pedante,

Se falasse, quem censura,

Com um espelho adiante.



Brotam espinhos da rosa,

O incêndio brota do lume.

A traição brota das juras,

Brota do amor o ciúme.



Numa loja conhecida

O que é cem custa duzentos,

Levam dinheiro em fazendas

E o tempo nos cumprimentos.



Macaco, chamaste tolo

Ao meu pequeno sagüi.

Também queria que ouvisses

O que ele disse de ti.



Por teu desdém não me mato,

Não faço tamanha asneira,

Se o meu amor tu não queres,

Há muita gente que o queira.



Quem pode num campo vasto

O joio apartar dos trigos?

Quem conhece dentre os falsos

Os verdadeiros amigos?

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Criar - Antonio Agostinho Neto



Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país.




CRIAR



Criar criar

criar no espírito criar no músculo criar no nervo

criar no homem criar na massa

criar

criar com os olhos secos



Criar criar

sobre a profanação da floresta

sobre a fortaleza impudica do chicote

criar sobre o perfume dos troncos serrados

criar

criar com os olhos secos



Criar criar

gargalhadas sobre o escárnio da palmatória

coragem nas pontas das botas do roceiro

força no esfrangalhado das portas violentadas

firmeza no vermelho-sangue da insegurança

criar

criar com os olhos secos



Criar criar

estrelas sobre o camartelo guerreiro

paz sobre o choro das crianças

paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato

paz sobre o ódio

criar

criar paz com os olhos secos.

Criar criar

criar liberdade nas estradas escravas

algemas de amor nos caminhos paganizados do amor



sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas



criar

criar amor com os olhos secos.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

A avó - Olavo Bilac

A Avó


A avó, que tem oitenta anos,
Está tão fraca e velhinha! . . . 
Teve tantos desenganos! 
Ficou branquinha, branquinha, 
Com os desgostos humanos. 

Hoje, na sua cadeira, 
Repousa, pálida e fria, 
Depois de tanta canseira: 
E cochila todo o dia, 
E cochila a noite inteira. 

Às vezes, porém, o bando 
Dos netos invade a sala . . . 
Entram rindo e papagueando: 
Este briga, aquele fala, 
Aquele dança, pulando . . . 

A velha acorda sorrindo, 
E a alegria a transfigura; 
Seu rosto fica mais lindo, 
Vendo tanta travessura, 
E tanto barulho ouvindo. 

Chama os netos adorados, 
Beija-os, e, tremulamente, 
Passa os dedos engelhados, 
Lentamente, lentamente, 
Por seus cabelos, doirados. 

Fica mais moça, e palpita, 
E recupera a memória, 
Quando um dos netinhos grita: 
"Ó vovó! conte uma história! 
Conte uma história bonita!" 

Então, com frases pausadas, 
Conta historias de quimeras, 
Em que há palácios de fadas, 
E feiticeiras, e feras, 
E princesas encantadas . . . 

E os netinhos estremecem, 
Os contos acompanhando, 
E as travessuras esquecem, 
— Até que, a fronte inclinando
Sobre o seu colo, adormecem . . .

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Se me perguntares - Armando Emílio Guebuza

Armando Emílio Guebuza (Murrupula, Nampula, 20 de Janeiro de 1943) é um político e e foi o presidente moçambicano de 2 de Fevereiro de 2005 a 15 de Janeiro de2015. Seus poemas apareceram primeiro no Boletim da Frelimo, juntamente com outros poetas guerrilheiros.



SE ME PERGUNTARES


Se me perguntares

Quem sou eu

Cavada de bexiga de maldade

Com um sorriso sinistro

Nada te direi

Nada te direi

Mostrarte-ei as cicatrizes de séculos

Que sulcam as minhas costas negras

Olhar-te-ei com olhos de ódio

Vermelhos de sangue vertido durante séculos

Mostrar-te-ei minha palhota de capim

A cair sem reparação

Levar-te-ei às plantações

Onde sol a sol

Me encontro dobrado sobre o solo

Enquanto trabalho árduo

Mastiga meu tempo

Levar-te-ei aos campos cheios de gente

Onde gente respira miséria em toda a hora

Nada te direi

Mostrar-te-ei somente isto

E depois

Mostrar-te-ei os corpos do meu Povo

Tombados por metralhadoras traiçoeiras,

Palhotas queimadas por gente tua

Nada te direi

E saberá porque luto.



Moçambique, 1977

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O limão fruto do mês - Abreu Paxe

Abreu Castelo Vieira dos Paxe, nasceu em 1969, no Colonato do Vale do Loge, Província do Uíge, filho de operário e de mãe doméstica. Venceu o concurso Um Poema para África em 2000.





o limão fruto do mês



no tópico a penumbra limita o céu

a deus a mesma paragem

passa em liberdade suave textura

a mulher tarde horizontal

de estrutura espessa o género substantiva camada

passa a boca espalhada pelo corpo

guarda todos os traços femininos empurram o limão

permanecem no caminho de frias letras

decifrada a edição é toda ampla pluma

os determinadores pernas no planeta as sedas

deixam de lado os factos contextuais

as luzes estendem-se até a nudez

a existência tão longa produção constrói estrelas

outro corpo

as trevas janelas inquilinos selando juros

sábado, 5 de setembro de 2015

Mãe Negra - Aguinaldo Fonseca


Aguinaldo Fonseca nasceu em Cabo Verde, em 1922. Sua poesia é muito difundida na web e em obras coletivas em diversos países.




MÃE NEGRA-



A mãe negra embala o filho.

Canta a remota canção

Que seus avós já cantavam

Em noites sem madrugada.

Canta, canta para o céu

Tão estrelado e festivo.

É para o céu que ela canta,

Que o céu

Às vezes também é negro.

No céu

Tão estrelado e festivo

Não há branco, não há preto,

Não há vermelho e amarelo.

—Todos são anjos e santos

Guardados por mãos divinas.

A mãe negra não tem casa

Nem carinhos de ninguém...

A mãe negra é triste, triste,

E tem um filho nos braços...

Mas olha o céu estrelado

E de repente sorri.

Parece-lhe que cada estrela

É uma mão acenando

Com simpatia e saudade...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Ombro - Alberto de Lacerda

Alberto Correia de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 — Londres, 26 de Agosto de 2007) foi um poeta português. Nascido no Norte de Moçambique



OMBRO



E' uma sombra ligeira.



Deixa sossegar

a minha cabeça sobre o teu ombro,

como quem dorme.



Numa saudade imortal

talvez o deus que me habita

houvesse desejado a minha morte.

sábado, 22 de agosto de 2015

O choro de África - Antonio Agostinho Neto

Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país.




O CHORO DE ÁFRICA



O choro durante séculos

nos seus olhos traidores pela servidão dos homens

no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas

nos batuques choro de África

nos sorrisos choro de África

nos sarcasmos no trabalho choro de África



Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal

meu irmão Nguxi e amigo Mussunda

no círculo das violências

mesmo na magia poderosa da terra

e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas

e das hemorragias dos ritmos das feridas de África



e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão

mesmo no florir aromatizado da floresta

mesmo na folha

no fruto

na agilidade da zebra

na secura do deserto

na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos

mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens



o choro de séculos

inventado na servidão

em historias de dramas negros almas brancas preguiças

e espíritos infantis de África

as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas



o choro de séculos

onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro

da desonesta forca

sacrificadora dos corpos cadaverizados

inimiga da vida



fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar

na violência

na violência

na violência



O choro de África e' um sintoma



Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias

desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!

E amor

e os olhos secos.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Amargos dormem tempos opostos - Abreu Paxe

Abreu Castelo Vieira dos Paxe, nasceu em 1969, no Colonato do Vale do Loge, Província do Uíge, filho de operário e de mãe doméstica. Venceu o concurso Um Poema para África em 2000.




amargos dormem tempos opostos



nas paisagens do espaço

afundava-se volumoso coração

no interior do quarto ilimitada natureza a sólida alma

próxima zona virgem a viagem das enguias

lugares de pequenas colinas ou seja:

sentem ondeadas brasas acesas noites também

permanecem transparentes

em forma de pêndulos as fragatas esperam

machucadas pêlos seus remos as algas refúgio:

atravessam os olhos cidades astrais com janelas descem

- velha sombra o basalto - lentas frestas

melhorando muito longe a idade do sol estas casas dos corpos

adoptando formas vermelhas

os pomares voltavam ardendo à teia todo tempo oposto

sábado, 8 de agosto de 2015

Mantenha - Alzira Cabral



Alzira Cabral nasceu em Bissau, 1955. Sua obra poética está dispersa em revistas e antologias.



MANTENHA



Filha do teu adultério

existo

queiras ou não com a mesma pele.

Exilada

sobrevivo contente

na terra dos sem cor.

Com a boa vontade que ganhei

das gentes daqui,

sem ressentimentos nem vergonha

cultivo a mentira da tua grandeza

no existir dos meus descendentes.



E mando mantenhas, oh terra

através dos meus poemas vermelhos:



A cor que me deste!

sábado, 1 de agosto de 2015

Mascarados - Cora Coralina

Mascarados


Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.

Ter um amigo é maravilhoso - Sophia de Mello Breyner Andersen


quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pardalzinho - Manuel Bandeira


Pardalzinho

O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

Camilo Castelo Branco - Frase


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fusão das liturgias - Antonio Silva Graça

António Silva Graça nasceu em Moçambique em 1937.



FUSÃO DAS LITURGIAS



Fusão física de cores

que recolho em fios de luz.

Luz suspensa na noite,

instante caído de uma pétala.



Leio as nuvens e reparo

que o léxico celeste confere

uma vontade sólida.



Na solidez deste dia

vou separando as águas da minha mitologia

das outras que retornam, serenas.

As horas são agora

modelos equilibrados

da organização do tempo.



E os dias,

revoltas de uma qualidade sóbria.

A luz deixou de ser de bronze

para ser um fio dolente

iluminando com minúcia cada hora.



No cadinho liso do silêncio

fundo liturgias.

sábado, 18 de julho de 2015


Aguinaldo Fonseca nasceu em Cabo Verde, em 1922. Sua poesia é muito difundida na web e em obras coletivas em diversos países.




CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA



Eu sei que fico.

Mas o meu sonho irá

pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá ...



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá

Nos frutos, nos colares

E nas fotografias da terra,

Comprados por turistas estrangeiros

Felizes e sorridentes.

Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá

Metido na garrafa bem rolhada

Que um dia hei de atirar ao mar.

Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá ...

sei que fico

Mas o meu sonho irá

Nos veleiros que desenho na parede.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O pássaro cativo - Olavo Bilac

O Pássaro Cativo

Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?

É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar! voar! ... “

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Adeus à hora da largada - Antonio Agostinho Neto

Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país.




Adeus à hora da largada



Minha Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

tu me ensinaste a esperar

como esperaste nas horas difíceis



Mas a vida

matou em mim essa mística esperança



Eu já não espero

sou aquele por quem se espera



Sou eu minha Mãe

a esperança somos nós

os teus filhos

partidos para uma fé que alimenta a vida



Hoje

somos as crianças nuas das sanzalas do mato

os garotos sem escola a jogar a bola de trapos

nos areais ao meio-dia

somos nós mesmos

os contratados a queimar vidas nos cafezais

os homens negros ignorantes

que devem respeitar o homem branco

e temer o rico

somos os teus filhos

dos bairros de pretos

além aonde não chega a luz elétrica

os homens bêbedos a cair

abandonados ao ritmo dum batuque de morte

teus filhos

com fome

com sede

com vergonha de te chamarmos Mãe

com medo de atravessar as ruas

com medo dos homens

nós mesmos



Amanhã

entoaremos hinos à liberdade

quando comemorarmos

a data da abolição desta escravatura



Nós vamos em busca de luz

os teus filhos Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

Vão em busca de vida.



(Sagrada esperança)

sábado, 4 de julho de 2015

O último andar - Cecília Meireles

O último andar

No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.

Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua no terraço
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem
para ninguém os maltratar:
no último andar.

De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:

no último andar.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

As tuas dores - Armando Emilio Guebuza

Armando Emílio Guebuza (Murrupula, Nampula, 20 de Janeiro de 1943) é um político e e foi o presidente moçambicano de 2 de Fevereiro de 2005 a 15 de Janeiro de2015. Seus poemas apareceram primeiro no Boletim da Frelimo, juntamente com outros poetas guerrilheiros.




AS TUAS DORES



As tuas dores

mais as minhas dores

vão estrangular a opressão



Os teus olhos

mais os meus olhos

vão falando da revolta



A tua cicatriz

mais a minha cicatriz

vão lembrando o chicote



As minha mãos

mais as tuas mãos

vão pegando em armas



A minha força

mais a tua força

vão vencer o imperialismo



O meu sangue

mais o teu sangue

vão regar a Vitória.

sábado, 20 de junho de 2015

Invenção na sombra - Antônio Silva Graça



António Silva Graça nasceu em Moçambique em 1937.




INVENÇÃO NA SOMBRA



Como posso definir-te?



Uma luz lógica

transforma o teu limiie

numa fronteira inútil.



Só uma ciência incerta

é capaz de descobrir-te.

De morder o teu perfil.

De possuir-te inteira.



O rigor desta ciência

enche-me de conceitos.

De preconceitos cegos.

Ao tocar-te, perco-te.



Depois, invento-te na sombra.

sábado, 6 de junho de 2015

Quem Diz que Amor é um Crime - Marquesa de Alorna

Quem Diz que Amor é um Crime

Quem diz que amor é um crime
Calunia a natureza,
Faz da causa organizante
Criminosa a singeleza.

Que vejo, céus! Que não seja
De uma atracção resultado?
Atracção e amor é o mesmo;
Logo amor não é pecado.

Se respiro, a atmosfera,
Com um fluido combinado,
É quem me sustenta a vida
Dentro do peito agitado.

Se vejo mares, se fontes,
Rio, cristalino lago,
Dois gases se unem, formando
Aguas com que a sede apago.

Uma lei de afinidade
Se acha nos corpos terrenos;
Ácidos, metais, alcalis,
Tudo se une mais ou menos.

De que sou feita? – De terra;
Nela me hei de converter:
Se amor arder em meu peito
É da essencia do meu ser.

Sem que te ofenda razão,
Quero defender o amor;
Se contigo não concorda
Não é virtude, é furor.

Marquesa de Alorna, in 'Antologia Poética'

Meus oito anos - Casemiro de Abreu

MEUS OITO ANOS


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ascensão - Alberto de Lacerda

Alberto Correia de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 — Londres, 26 de Agosto de 2007) foi um poeta português. Nascido no Norte de Moçambique

ASCENSÃO



Vou construindo a Verdade com degraus de pedra,

de pedra gemendo em doloroso sangue,

E à medida que as mãos pedem Perfeição

(as operárias mãos da alma insatisfeita)

seres invisíveis, puros, delicados,

afastam do meu ser as capas que me são

completamente alheias.



Solitade completa — o meu misténo

desta escadaria dolorosa.



Mas há no fim de tudo um lúcido Clarão.



É como a Cruz antiga que possui no meio

uma perfeita Rosa.

sábado, 4 de abril de 2015

O Paternon - Atenas, Grécia


O Paternon foi um templo dedicado à deusa grega Atena, construído no século V a.C. na Acrópole de Atenas, na Grécia Antiga, por iniciativa de Péricles, governante da cidade.





É o mais conhecido dos edifícios remanescentes da Grécia Antiga e foi ornado com o melhor da arquitetura grega. Suas esculturas decorativas são consideradas um dos pontos altos da arte grega.




O Partenon e outros edifícios da acrópole são um dos mais visitados sítios


 arqueológicos da Grécia. O Ministério da Cultura e Turismo grego atualmente leva adiante um programa de restauração e reconstrução para assegurar a estabilidade da estrutura.