quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pardalzinho - Manuel Bandeira


Pardalzinho

O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

Camilo Castelo Branco - Frase


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fusão das liturgias - Antonio Silva Graça

António Silva Graça nasceu em Moçambique em 1937.



FUSÃO DAS LITURGIAS



Fusão física de cores

que recolho em fios de luz.

Luz suspensa na noite,

instante caído de uma pétala.



Leio as nuvens e reparo

que o léxico celeste confere

uma vontade sólida.



Na solidez deste dia

vou separando as águas da minha mitologia

das outras que retornam, serenas.

As horas são agora

modelos equilibrados

da organização do tempo.



E os dias,

revoltas de uma qualidade sóbria.

A luz deixou de ser de bronze

para ser um fio dolente

iluminando com minúcia cada hora.



No cadinho liso do silêncio

fundo liturgias.

sábado, 18 de julho de 2015


Aguinaldo Fonseca nasceu em Cabo Verde, em 1922. Sua poesia é muito difundida na web e em obras coletivas em diversos países.




CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA



Eu sei que fico.

Mas o meu sonho irá

pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá ...



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá

Nos frutos, nos colares

E nas fotografias da terra,

Comprados por turistas estrangeiros

Felizes e sorridentes.

Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...



Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá

Metido na garrafa bem rolhada

Que um dia hei de atirar ao mar.

Eu sei que fico

Mas o meu sonho irá ...

sei que fico

Mas o meu sonho irá

Nos veleiros que desenho na parede.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O pássaro cativo - Olavo Bilac

O Pássaro Cativo

Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?

É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar! voar! ... “

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Adeus à hora da largada - Antonio Agostinho Neto

Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país.




Adeus à hora da largada



Minha Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

tu me ensinaste a esperar

como esperaste nas horas difíceis



Mas a vida

matou em mim essa mística esperança



Eu já não espero

sou aquele por quem se espera



Sou eu minha Mãe

a esperança somos nós

os teus filhos

partidos para uma fé que alimenta a vida



Hoje

somos as crianças nuas das sanzalas do mato

os garotos sem escola a jogar a bola de trapos

nos areais ao meio-dia

somos nós mesmos

os contratados a queimar vidas nos cafezais

os homens negros ignorantes

que devem respeitar o homem branco

e temer o rico

somos os teus filhos

dos bairros de pretos

além aonde não chega a luz elétrica

os homens bêbedos a cair

abandonados ao ritmo dum batuque de morte

teus filhos

com fome

com sede

com vergonha de te chamarmos Mãe

com medo de atravessar as ruas

com medo dos homens

nós mesmos



Amanhã

entoaremos hinos à liberdade

quando comemorarmos

a data da abolição desta escravatura



Nós vamos em busca de luz

os teus filhos Mãe

(todas as mães negras

cujos filhos partiram)

Vão em busca de vida.



(Sagrada esperança)

sábado, 4 de julho de 2015

O último andar - Cecília Meireles

O último andar

No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.

Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua no terraço
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem
para ninguém os maltratar:
no último andar.

De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:

no último andar.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

As tuas dores - Armando Emilio Guebuza

Armando Emílio Guebuza (Murrupula, Nampula, 20 de Janeiro de 1943) é um político e e foi o presidente moçambicano de 2 de Fevereiro de 2005 a 15 de Janeiro de2015. Seus poemas apareceram primeiro no Boletim da Frelimo, juntamente com outros poetas guerrilheiros.




AS TUAS DORES



As tuas dores

mais as minhas dores

vão estrangular a opressão



Os teus olhos

mais os meus olhos

vão falando da revolta



A tua cicatriz

mais a minha cicatriz

vão lembrando o chicote



As minha mãos

mais as tuas mãos

vão pegando em armas



A minha força

mais a tua força

vão vencer o imperialismo



O meu sangue

mais o teu sangue

vão regar a Vitória.