terça-feira, 29 de março de 2016

O acendedor de Lampiões - Jorge de Lima

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES


Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.
Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

sábado, 12 de março de 2016

Este Inferno de Amar - Almeida Garrett

Este Inferno de Amar

Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...


Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas' 

terça-feira, 8 de março de 2016

Cicatrizes os espelhos - Abreu Paxe

Abreu Castelo Vieira dos Paxe é um poeta angolano nascido em 1969, na  Província do Uíge. Filho de operário e de mãe doméstica, venceu o concurso "Um Poema para África" em 2000.




cicatrizes os espelhos


falar ao rés palavra incandescente
arremedos o gráfico de linhas varanda
decerto, as paredes abraçam os encantos cinzas
a poesia cresce azul além das pontes línguas
o histograma amordaça cego fóssil
fio de pó os alicerces elevados pássaros
as águas dos pés sob desertos
fundam duras cicatrizes a frequência de espelhos



In A Chave no Repouso da Porta, INIC, Luanda, 2003, p.12

terça-feira, 1 de março de 2016

Como Está Sereno o Céu - Marquesa de Alorna

Como Está Sereno o Céu

Como está sereno o céu,
como sobe mansamente
a Lua resplandecente
e esclarece este jardim!

Os ventos adormeceram;
das frescas águas do rio
interrompe o murmúrio
de longe o som de um clarim.

Acordam minhas ideias,
que abrangem a Natureza;
e esta nocturna beleza
vem meu estro incendiar.

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças,
e choro em vez de cantar.

Marquesa de Alorna, in 'Antologia Poética'