sábado, 20 de junho de 2015

Invenção na sombra - Antônio Silva Graça



António Silva Graça nasceu em Moçambique em 1937.




INVENÇÃO NA SOMBRA



Como posso definir-te?



Uma luz lógica

transforma o teu limiie

numa fronteira inútil.



Só uma ciência incerta

é capaz de descobrir-te.

De morder o teu perfil.

De possuir-te inteira.



O rigor desta ciência

enche-me de conceitos.

De preconceitos cegos.

Ao tocar-te, perco-te.



Depois, invento-te na sombra.

sábado, 6 de junho de 2015

Quem Diz que Amor é um Crime - Marquesa de Alorna

Quem Diz que Amor é um Crime

Quem diz que amor é um crime
Calunia a natureza,
Faz da causa organizante
Criminosa a singeleza.

Que vejo, céus! Que não seja
De uma atracção resultado?
Atracção e amor é o mesmo;
Logo amor não é pecado.

Se respiro, a atmosfera,
Com um fluido combinado,
É quem me sustenta a vida
Dentro do peito agitado.

Se vejo mares, se fontes,
Rio, cristalino lago,
Dois gases se unem, formando
Aguas com que a sede apago.

Uma lei de afinidade
Se acha nos corpos terrenos;
Ácidos, metais, alcalis,
Tudo se une mais ou menos.

De que sou feita? – De terra;
Nela me hei de converter:
Se amor arder em meu peito
É da essencia do meu ser.

Sem que te ofenda razão,
Quero defender o amor;
Se contigo não concorda
Não é virtude, é furor.

Marquesa de Alorna, in 'Antologia Poética'

Meus oito anos - Casemiro de Abreu

MEUS OITO ANOS


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ascensão - Alberto de Lacerda

Alberto Correia de Lacerda (Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928 — Londres, 26 de Agosto de 2007) foi um poeta português. Nascido no Norte de Moçambique

ASCENSÃO



Vou construindo a Verdade com degraus de pedra,

de pedra gemendo em doloroso sangue,

E à medida que as mãos pedem Perfeição

(as operárias mãos da alma insatisfeita)

seres invisíveis, puros, delicados,

afastam do meu ser as capas que me são

completamente alheias.



Solitade completa — o meu misténo

desta escadaria dolorosa.



Mas há no fim de tudo um lúcido Clarão.



É como a Cruz antiga que possui no meio

uma perfeita Rosa.