segunda-feira, 25 de junho de 2012
Quero - Carlos Drummond de Andrade
Quero
Carlos Drummond de Andrade
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
Carlos Drummond de Andrade
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
terça-feira, 12 de junho de 2012
domingo, 10 de junho de 2012
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Senhora (trecho) - José de Alencar
Senhora (trecho)
José de Alencar
Há anos raiou no céu
fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de
sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos
bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e
formosa.
Duas opulências, que
se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem,
como o raio de sol no prisma do diamante.
Quem não se recorda
da Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da Corte como brilhante meteoro,
e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
Tinha ela dezoito
anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram
todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia.
Dizia-se muita coisa que não repetirei
agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que
usam vesti-la os noveleiros.
Aurélia era órfã; e tinha em sua
companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a
acompanhava na sociedade.
Mas essa parenta não passava de mãe de
encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que
naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaCWde3BLiINGcM61_Ylyt8VePgtJ5WV6oFK2_mgtoUWelSLAT0R5XZ24ZHnMqLyrIfg9ssokcGYOronPbw5b6LSicZf0-pQh_86gt83PNN_Jiu0-DJtpUV-mGCdpCa3jz3MZVDeVzuAgG/s1600/jose+de+alencar.jpg)
Constava
também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade desconhecida, a julgar
pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade,
do que a velha parenta.
A convicção geral era que o futuro da
moça dependia exclusivamente de suas inclinações ou de seu capricho; e por
isso todas as adorações se iam prostrar aos próprios pés do ídolo.
Assaltada por uma turba de
pretendentes que a disputavam como o prêmio da vitória, Aurélia, com sagacidade
admirável em sua idade, avaliou da situação difícil em que se achava, e dos
perigos que a ameaçavam.
Daí provinha talvez a expressão cheia
de desdém e um certo ar provocador, que eriçavam a sua beleza aliás tão correta
e cinzelada para a meiga e serena expansão d’alma.
Se o lindo semblante não se
impregnasse constantemente, ainda nos momentos de cisma e distração, dessa
tinta de sarcasmo, ninguém veria nela a verdadeira fisionomia de Aurélia, e sim
a máscara de alguma profunda decepção.
Como acreditar que a natureza houvesse
traçado as linhas tão puras e límpidas daquele perfil para quebrar-lhes a
harmonia com o riso de uma pungente ironia?
Os olhos grandes e rasgados, Deus não
os aveludaria com a mais inefável ternura, se os destinasse para vibrar chispas
de escárnio.
Para que a perfeição estatuária do
talhe de sílfide, se em vez de arfar ao suave influxo do amor, ele devia ser
agitado pelos assomos do desprezo?
Na sala, cercada de adoradores, no
meio das esplêndidas reverberações de sua beleza, Aurélia bem longe de
inebriar-se da adoração produzida por sua formosura, e do culto que lhe
rendiam; ao contrário parecia unicamente possuída de indignação por essa turba
vil e abjeta.
Não era um triunfo que ela julgasse
digno de si, a torpe humilhação dessa gente ante sua riqueza.
Era um desafio, que lançava ao mundo;
orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, como a um réptil venenoso.
E o mundo é assim feito; que foi o
fulgor satânico da beleza dessa mulher, a sua maior sedução. Na acerba
veemência da alma revolta, pressentiam-se abismos de paixão; e entrevia-se que
procelas de volúpia havia de ter o amor da virgem bacante.
Se o sinistro vislumbre se apagasse de
súbito, deixando a formosa estátua na penumbra suave da candura e inocência, o
anjo casto e puro que havia naquela, como há em todas as moças, talvez passasse
desapercebido pelo turbilhão.
As revoltas mais impetuosas de Aurélia
eram justamente contra a riqueza que lhe servia de trono, e sem a qual nunca
por certo, apesar de suas prendas, receberia como rainha desdenhosa, a vassalagem
que lhe rendiam.
Por isso mesmo considerava ela o ouro,
um vil metal que rebaixava os homens; e no íntimo sentia-se profundamente
humilhada pensando que para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa, não
merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus mil contos de
réis.
Nunca da pena de algum Chatterton
desconhecido saíram mais cruciantes apóstrofes contra o dinheiro, do que
vibrava muitas vezes o lábio perfumado dessa feiticeira menina, no seio de sua opulência.
Um traço basta para desenhá-la sob
esta face.
Convencida de que todos os seus
inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza,
Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
Assim costumava ela indicar o
merecimento de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Em
linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoavelmente
poderiam obter no mercado matrimonial.
Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares,
que fazia-se íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la casada, dirigiu-lhe
um gracejo acerca do Alfredo Moreira, rapaz elegante que chegara recentemente da
Europa:
- É um moço muito distinto, respondeu
Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas eu tenho dinheiro
para pagar um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse.
Riam-se todos destes ditos de Aurélia,
e os lançavam à conta de gracinhas de moça espirituosa; porém a maior parte das
senhoras, sobretudo aquelas que tinham filhas moças, não cansavam de criticar
desses modos desenvoltos, impróprios de meninas bem-educadas.
Os adoradores de Aurélia sabiam, pois
ela não fazia mistério, do preço de sua cotação no rol da moça; e longe de se
agastarem com a franqueza, divertiam-se com o jogo que muitas vezes resultava
do ágio de suas ações naquela empresa nupcial.
Dava-se isto quando qualquer dos
apaixonados tinha a felicidade de fazer alguma cousa a contento da moça e
satisfazer-lhe as fantasias; porque nesse caso ela elevava-lhe a cotação, assim
como abaixava a daquele que a contrariava ou incorria em seu desagrado.
Muito devia a cobiça embrutecer esses
homens, ou cegá-los a paixão, para não verem o frio escárnio com que Aurélia os
ludibriava nestes brincos ridículos, que eles tomavam por garridices de menina,
e não eram senão ímpetos de uma irritação íntima e talvez mórbida.
A verdade é que todos porfiavam, às
vezes colhidos por desânimo passageiro, mas logo restaurados por uma
esperança obstinada, nenhum se resolvia a abandonar o campo; e muito menos o
Alfredo Moreira que parecia figurar a cabeça do rol.
Não acompanharei Aurélia em sua
efêmera passagem pelos salões da Corte, onde viu, jungido a seu carro de
triunfo, tudo que a nossa sociedade tinha de mais elevado e brilhante.
Proponho-me unicamente a referir o
drama íntimo e estranho que decidiu do destino dessa mulher singular.
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