segunda-feira, 4 de julho de 2016

Quando eu sonhava - Almeida Garrett

Quando eu sonhava

Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar...
Para quê? - Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava - mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia ...


Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'

terça-feira, 31 de maio de 2016

Uma mulher a sombra do poeta - Abreu Paxe

Abreu Castelo Vieira dos Paxe é um poeta angolano nascido em 1969, na  Província do Uíge. Filho de operário e de mãe doméstica, venceu o concurso "Um Poema para África" em 2000.




uma mulher a sombra do poeta


depois os árabes adormecem subúrbios
no regaço aquários da bota orvalhada luz se apagava
proeminente aonde quisesse rasgava saiotes
e assaltava com as palavras os rijos jornais da noite seios
comigo húmidos habitavam os peixes magoados
no rosto do primeiro livro um beijo um vapor
os guerreiros curados e cansados lábios há três dias
operadores negros comiam e bebiam rios
as auroras em festa lentamente sobre a sombra do poeta
viajam transportando águas e cidades na garganta as
águas e cidades escrevem a luminosidade dos pés

In A Chave no Repouso da Porta, INIC, Luanda, 2003, p.20

terça-feira, 24 de maio de 2016

Seus Olhos - Almeida Garrett

Seus Olhos

Seus olhos - que eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda a alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.


Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'